terça-feira, 28 de julho de 2009

sob pressão

de tão cheia
sigo vazia

um transbordamento contínuo
de algo que não se revelou

de tão vazia
sigo cheia

um vácuo tremulante
feito motor de popa
óleo diesel
rastro n'água
paisagem na borda

de tão nada
estremeço de tudo

e nem sei dizer
pois
se soubesse
já não o seria.

quinta-feira, 23 de julho de 2009

véu de seda

brisa leve
véu de seda
pétala de rosa branca
um fio
uma membrana
bolha de sabão
um nada
que separa
que quase rompe
mas resiste

ao denso
ao fogo
à ira
à agitação

azul
pálido
pluma
algodão

etéreo
volátil
voando

transmutando a dor
a vida
a terra

aéreo
leve
livre
se instalou
assim
sem mais
nem menos
aqui.

segunda-feira, 20 de julho de 2009

imagem congelada

bote de madeira preso com corda em pau beira-rio
borboleta pousada, mexendo levemente as asas
mosca morta em copo de leite
poça d'água morna em sol do meio dia
cortina na janela sem vento
carro quebrado com galinhas dentro

cabeça parou
junto com a notícia
da morte do Igor,
tio Igor, Igor monster
menino amigo
assassinado,
por outro menino
menino que vi nascer
menino-monstro
filho do erro

cabeça parou
coração também

ficou a dor
o medo
a dó do pai
a dó do mundo

e a vontade imensa
de sair daki
correndo com meu filho
escondê-lo numa caverna em São Thomé
num apê em Londres
numa cabana na Patagônia

até o mundo prestar de novo
mas será que um dia
ainda presta?

desalento
cansaço
desencanto

é tudo que me resta.

domingo, 19 de julho de 2009

quereres, somente quereres...

só queria não pensar
assim
só fazer
lavar roupa, passar,
costurar, cozinhar
arrumar a casa
feito mulher

não quero te dominar
nem ser dominada
só queria que o domínio
fosse palavra apagada
das bocas e relações

não quero te esperar
nem quero te querer

só queria, sem pensar
sentir, o quanto é bom te ter

te ter como o ar
e o céu
e o som

te ter como se tem
sono oufome
te ter
sem te possuir

queria nunca mais te ver
acho que vou quebrar o espelho

pois me vendo
te vejo sempre
assim como o sangue é vermelho

queria não mais querer
e viver assim a errar
e errando
eu acertaria
um jeito novo de te amar

sábado, 18 de julho de 2009

O céu azul tem o movimento de um despertar
(Gaston Bachelard)

Estações

o inverno se faz verão
neste sábado de pássaros
ventos
e fumaças

no meu peito
a mágoa se faz perdão
o lamento se faz canção

e o carrossel da vida
que tinha virado montanha russa
se faz passeio de bicicleta

banho de mar
balanço de jardim
mesa de bar
cerveja com aipim

os problemas viram peça de museu
e tudo que eu quero
é ter você
e continuar a ser eu

você assim
distantemente perto
cativamente liberto
fechadamente aberto

pois só assim posso esticar minhas asas
alçar meu vôo de ave solitária
pra depois pousar em seus braços

sem cansaço
sem saudade
sem lembranças
nem idade

estranho preenchimento que me esvazia...

na cabeça um motor
no corpo o torpor
nas mãos braços ombros: dor
no coração um grande amor

eu que era múltipla
que era errante
que era safa
e decidida

me vejo aqui
tonta
parada
atordoada
perdida

na mesma estação
esperando um trem
que passa sem me pegar

cadê eu?
tô aqui

antes é que eu não tava

o amor chegou
não perguntou
e se eu respondi
não ouviu
não quer saber
já se instalou

e eu aqui
assim
lutando em vão
pra dominar a nau
de meu coração

nômade deleuziana
(a que não sai do lugar)

transcendendo a imanência
tirando máscaras
rompendo a aparência

(oxalá ainda me reste
um pouco de decência...)

sexta-feira, 17 de julho de 2009

Sob medida

http://www.youtube.com/watch?v=K6c9KosEut4

Chico Buarque

se você crê em Deus
erga as mãos para os céus e agradeça
quando me conquistou
sem querer acertou na cabeça

eu sou tua alma gêmea,
sou tua fêmea, teu par, tua irmã
eu sou teu incesto
sou igual à você, eu nasci pra você
eu não presto, eu não presto

traiçoeira e vulgar
sou sem nome e sem lar
sou aquela
eu sou filha da rua
eu sou cria da sua costela

sou bandida, sou solta na vida
e sob medida pros carinhos teus
meu amigo
se ajeite comigo
e dê graças a Deus

se você crê em Deus
encaminhe pros céus uma prece
e agradeça ao Senhor
você tem o amor
que MERECE!

quinta-feira, 16 de julho de 2009

Labirintos

eu, Ariadne incansável
eu, Ariadne guerreira
eu, Ariadne
fui até o fim do labirinto
resgatar Teseu
e tomá-lo como marido
mas, ó lástima!
eis que chego tarde
e encotro meu Teseu
enamorado pelo Minotauro!

volto, resignada
padeço agora de labirintite...

ó alegre e nômade Dionísio!
só você para me curar
só seu vinho para me salvar
só seus braços entorpecedores
só seu canto embriagador
para me redimir
do olho do furacão
do atordoamento
de quem, em vão
construiu enormes castelos
nas areias da ilusão!

terça-feira, 14 de julho de 2009

Casamento

eu quero ser uma esposa
doce meiga e pura

que minhas palavras
saiam banhadas de leite e mel
que meus atos sejam sempre nobres
que meu toque seja leve e firme
e meus carinhos um bálsamo
para guerreiro ferido

que meu corpo seja
a fortaleza para a qual se retorna

e meus beijos
vinho entorpecedor
das más idéias e maus pensamentos

eu quero ser a esposa
pela qual se espera
uma vida toda.

eu quero um marido
que seja carinhoso
que seja forte e sensível
que saiba me conquistar a cada dia
a cada hora
a cada música

eu quero um marido
que saiba batalhar pelo que quer
que vá à luta

que seja generoso e sábio
que saiba me agitar
que saiba me acalmar

que me dê a mão
mesmo quando
não há
nada mais a fazer.

Adriana, 17 de junho de 2oo5

segunda-feira, 13 de julho de 2009

o não-dito

o não dito mora
do lado de fora
do pensamento
(pensar já é quase dizer)

o não dito mora
no oco obscuro
da garganta calada

no suspiro que brota
do coração contido

(já o dito pelo não dito
é o seu irmão
um rapaz peralta
muito brincalhão!)

sexta-feira, 3 de julho de 2009

ator doa, atriz dá...

vida que me atordoa
ator
doa
vivendo papéis
acadêmicos
acad
dac
endêmicos
(e a dac fora do ar...)

vencendo barreiras mentais
pra cumprir prazos e papeladas
e terminar
essa história
tão bem começada

de querer ser mestre
quando nem metrizo
minha propria loucura

mas quem sabe
um título
me aterre
a este planeta
de paz
e guerra

e a realidade
que me atordoa
e o corpo que padece
a mente que voa...

quero querer
agora só consigo
nada saber

(talvez já seja algo... who knows?)